AMATRICE: A Hora de Reconstruir o Coração.
Eu costumo dizer que meu coração é dividido em duas metades: um lado totalmente brasileiro e a outra onde se misturam Portugal e Itália. Tenho amigos na Itália e tudo que lá acontece me interessa muito.
Todos os dias o noticiário nos informa sobre tragédias, mas, a gente só se dá conta do quanto dói quando a dor nos atinge em cheio.
Temos acompanhado pelos noticiários os tremores, quase que diários, que tem acontecido na Itália. No dia 24 de agosto tomamos conhecimento do terremoto que atingiu a região central da Itália e, imediatamente, fui atrás das notícias. Fiquei triste, afinal, um terremoto tinha acabado de destruir várias cidades da região do Lácio, província de Rieti e as mais atingidas tinham sido Amatrice, Accumoli e Norcia. "A metade da cidade já não existe. As pessoas estão sob os escombros", afirmou o prefeito de Amatrice, na província de Rieti, Sergio Perozzi, à emissora privada "Sky".
É lógico que eu estava triste por tudo que estava acontecendo, contudo, confesso que estava apenas triste, mas, a partir do momento que eu descobri que uma queridíssima amiga, ao qual eu considero minha sobrinha estava em Amatrice com o noivo e o primo, aí tudo mudou. Ao tomar conhecimento dessa informação, imediatamente, meu coração acelerou e uma enorme inquietude se abateu sobre mim. Como assim ela estava lá na casa da montanha? Eu queria notícias da 'Bene', queria saber se ela estava bem, se ela estava viva, se estava intacta. Imaginava o desespero do pai dela porque sei da infinita ligação entre os dois. Meu coração bateu em descompasso e só depois que soube que ela e o pai já estavam juntos foi que meu coração se aquietou.
A dor que aquelas pessoas estavam sentindo tinha se tornado a minha dor. E assim é que é. Só tomamos ciência do tamanho da tragédia quando a tragédia nos atinge ou atinge a quem amamos. O terremoto aconteceu na madrugada de 24 de agosto. São centenas de mortos e desabrigados. Vidas que se foram. Casas, igrejas históricas, estabelecimentos desmoronados, famílias desabrigadas, idosos desolados por verem suas casas destruídas.Histórias perdidas em meio aos escombros.
O terremoto provocou prejuízos avaliados em quatro bilhões de euros, segundo o governo, que prometeu que as localidades afetadas serão totalmente reconstruídas. ‘O governo da Itália destinou 234 milhões de euros para emergência imediata’, informou o Ministério de Economia e Finanças em comunicado. Mas, além disso, vários números foram ativados para recolher doações para ajudar a Defesa Civil.
Muitos jovens olham para o que restou de Amatrice e lembram de suas infâncias, das férias, dos natais, dos momentos em família que lá viveram e agora estão misturados a poeira do que restou da cidade amada. Amatrice, agora, repousa sobre a poeira que levou parte da vida de tantos nonos e nonas, tantos bambinos que não tiveram tempo de acariciar uma vez mais os brinquedos que curtiam nas férias, as paredes daquelas casas que eram seus lares, seus refúgios, suas vidas. Um passado em ruínas. O Papa Francisco vem demonstrando sua solidariedade às vítimas do tremor, orando por elas e visitando as cidades. A dor é infinita, mas, a solidariedade também.
No sábado, 29 de outubro, foi realizado no Ristorante Taormina, São Paulo, um jantar beneficente em prol das vítimas de Amatrice, Accumoli e Norcia. Foi servido o spaghetti all’amatriciana, uma das receitas mais populares da Itália feito com muito amor pela chef italiana Helena Morici. O molho matriciana leva bochecha de porco, tomate, azeite, sal e pimenta e reza a tradição que muitos dos cozinheiros do Papa são originários desta localidade.
No domingo, 30, novo tremor. ‘Quase oito mil pessoas foram atendidas pela defesa civil italiana após o forte terremoto de magnitude 6,6 que atingiu a região central da Itália’, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês). ‘Não houve mortos, mas dezenas de pessoas ficaram feridas sem gravidade’, segundo o chefe da Defesa Civil italiana, Fabrizio Curcio.
O tremor causou o colapso de mais construções e igrejas históricas em pequenas cidades e vilarejos atingidos por tremores nos últimos dias e tudo isso fez com que eu ligasse para Roma. Conversei com Max de Tomassi, o meu amigo radialista, apresentador do programa Brasil pela RAI Rádio Uno que está no ar há 15 anos e também falei com a sua filha Benedetta (que eu amo como se fosse minha sobrinha), que na verdade, são os protagonistas da história que contei logo no início dessa narrativa. Falamos sobre o terremoto, a atual situação de Amatrice e os atuais tremores que acontecem na região central da Itália. A conversa que tive com eles foi assim...
Max, na madrugada do dia 24 de agosto aconteceu o primeiro terremoto em Amatrice e arredores. Você estava em Roma. Como você ficou sabendo da notícia?
Eu soube da noticia imediatamente porque acordei com os tremores aqui em Roma. Acordei e recebi num instante o telefonema da minha filha Benedetta que estava ali na montanha. A Benedetta gritava desesperada porque o tremor tinha sido muito forte.
Você foi pra Amatrice logo que soube do terremoto? O que você viu quando chegou lá, Max?
Eu fui para Amatrice logo que consegui ter a certeza que as estradas estavam livres. Cheguei por volta de 9hs da manhã tendo acontecido o terremoto as 3h40 e tendo esperado ao telefone com a Benedetta e outros amigos. Quando cheguei lá eu vi que a casa estava comprometida e tinham desmoronado dois dos quatro muros q sustentavam a edícula e que faziam parte de uma estalagem muito linda ao lado da minha casa, os dois edifícios de minha propriedade.
Benedetta, o que você pode me dizer daquela madrugada?
Primeiro, eu agradeço a todas as pessoas que ficaram preocupadas comigo e com a minha família. Estamos todos bem, mas, muito tristes por ter perdido as nossas lindas e amantíssimas casas construídas pelos meus avós e bisavós. A casa tem um valor sentimental inestimável e vê-la em pedaços foi devastador. Amatrice é um dos lugares da minha infância, de todos os verões com a minha família que passávamos imersos na natureza, de muitos natais. A dor é grande e o susto foi enorme... É o lugar do meu coração e agora o meu coração está quebrado.
Sabemos que muitos artistas fizeram e ainda estão fazendo concertos e ações solidárias para ajudar as pessoas que perderam parentes, casas... Hoje, quase 3 meses depois, o que está sendo feito pelas autoridades e pela população, Max?
Muitas pessoas, muitas entidades estão ajudando, se organizando para nos ajudar. O que foi feito é um caminho bem organizado por parte da prefeitura da cidade de Amatrice e, confesso que não conheço os detalhes que as outras cidades envolvidas no terremoto fizeram. Só que o cenário mudou desde domingo passado (30 de outubro). Domingo teve um tremor de 6.6 o maior tremor q aconteceu na Itália desde 1980. Esse tremor criou vários problemas aos edifícios, aos prédios, as casas que já estavam sendo catalogadas como casas que poderiam ser reformadas sem ser abatidas e desabaram como muitas outras casas. Esse tremor criou uma cratera muito mais ampla do terremoto na região central da Itália e isso vai fazer demorar um pouco mais o processo de reconstrução. Em Amatrice, em particular, tudo está caminhando como o prefeito Sergio Pirozzi desenhou embora esse último tremor tenha causado novos e bastantes problemas.
Max, além do enorme susto, do desmoronamento da casa você diria que seu passado desmoronou?
Eu tenho forte duvidas que parte dos meus pertences não possa ser recuperados nunca mais. Eu acho que o passado foi cancelado mesmo, a história da minha pessoa em parte foi cancelada porque era ali que eu tinha toda minha história, meus livros, minhas fotos, meus CDs... eu só consegui salvar o necessário, o imediato,o urgente mas muita coisa ficou debaixo das pedras. Nós todos ficamos tristes porque ali era um lugar onde a gente tinha deixado muita saudade, muitas lembranças. Era um lugar de grande importância ética, moral e agora não existe mais. A intenção é reconstruir, mas precisamos de ajuda.
Você diria, Max, que esses tremores atuais atrapalham a reconstrução de Amatrice e o que está em pé pode vir a cair?
Exatamente. Inclusive é possível q os tremores continuem por muitos dias, sem ter uma previsão de terminar porque as duas falhas continuam a escorregar e não temos previsão de quando elas vão parar.
Max, qual a lição que você tira de todo esse acontecimento?
A lição é que há vários acontecimentos que independem de nós e que podem mudar o rumo das nossas vidas e que nada é garantido nessa realidade.
Qual é a sua esperança, Max?
A esperança é que eu possa voltar o quanto antes à minha casa e ter a possibilidade de viver mais tempo naquela área geográfica, naquela casa, curtindo Amatrice, curtindo a simplicidade e a riqueza do lugar.
Como uma pessoa da área da comunicação, Max de Tomassi, acredita que os turistas não vão deixar de ir à Itália já que o país tem muitas alternativas, inclusive, o turismo que se dirigia a essas cidades da região central é um turismo mais nacional, o estrangeiro não ia muito... “Amatrice é mais conhecida pelo turismo local ou pelas pessoas que apreciam o molho matriciana, a produção de embutidos, de presuntos, e pelas belezas naturais como as montanhas, explica Max.
A região central da Itália continua sendo atingida por tremores e as cidades ainda precisam de muito ajuda. "A Itália hoje é uma família abalada, mas que não se abateu", disse o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, durante entrevista em Rieti. Agora é preciso superar o inverno, não abandonar a área que cada um morava, na certeza que em abril e maio vão chegar os chalés que foram prometidos pelo governo.
“Até os chalés chegarem o povo italiano enfrentará um inverno que naquela área é muito rigoroso, então, serão necessários conseguir lugares de emergência onde a população possa ficar e dormir se abrigando do frio e da neve. É grande a expectativa para a chegada dos chalés de madeiras que ajudarão os habitantes das cidades permanecerem na área geográfica atingida pelo terremoto até que sejam reconstruídas as casas que cada um de nós perdeu”, conta Max. O prefeito de Norcia, Nicola Alemanno, afirmou que “os danos são numerosos, mas tudo será refeito”.
O Brasil, através dos Consulados, está ajudando com eventos como foi o jantar beneficente que foi realizado no Ristorante Taormina comandado pela Chef Helena Morici,SP, no último dia 29 promovido pelo Cônsul Geral da Itália no Brasil, Michele Pala e que contou com a solidariedade de muitos italianos e brasileiros. O dinheiro arrecadado no jantar beneficente, que teve a presença do cantor Dick Danello, foi enviado para as vítimas. Muitas outras ações estão sendo programadas.
“O Brasil é um país muito amoroso e tenho certeza que os dois países, Brasil e Itália, vão se aproximar ainda mais, aproximar as duas culturas, criar a oportunidade de conhecer um pouco mais da culinária das montanhas, a enogastronomia, à arquitetura, a história e o povo com suas tradições”, finaliza meu amigo e radialista Max de Tomassi.